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Opinião

OPINIÃO: Imagine que a dor é como uma viagem de avião

17 Outubro, 2025 | 9:25
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Ricardo Fernandes
4 min. leitura

Imagine que a dor é como uma viagem de avião na qual embarcou. Essa viagem pode ser previsível ou inesperada: por vezes mais curta, como um voo dentro da Europa (dor aguda), ou mais longa, como uma travessia intercontinental (dor crónica). Concordamos que, independentemente da distância, a viagem pode ser tranquila ou turbulenta — tal como a dor pode estar sob maior ou menor controlo.

Sabemos também que os passageiros são muito distintos: uns mais preparados e proativos, outros mais ansiosos, inquietos e reativos. Uns confiam no destino, outros questionam se chegarão em segurança. Isto mostra-nos o quão pessoal é a experiência da dor, que envolve não apenas aspetos biológicos e sensoriais, mas também dimensões emocionais, comportamentais e sociais.

Na chegada ao aeroporto, no balcão de check-in (a avaliação clínica), é essencial ter os documentos em ordem. Aqui falamos de um verdadeiro “passaporte da dor”: história da dor (aguda ou crónica, oncológica ou não oncológica), antecedentes pessoais e principais comorbilidades, história farmacológica, alergias, intolerâncias e possíveis interações. O assistente acompanha o passageiro até ao voo. Pode levar toda a bagagem que desejar, mas quanto mais despachar para o porão, mais leve se torna a viagem — uma metáfora para a aliança terapêutica e o compromisso num plano conjunto.

Chegou ao voo. Cinto de segurança apertado, começa a viagem. Desde cedo o corpo pode dar sinais de alarme: maior intensidade, maior frequência ou maior impacto na qualidade de vida. É preciso estar atento às indicações da tripulação — luzes, oxigénio, colete salva-vidas — representando intervenções que podem ser mais ou menos invasivas. O passageiro deve sentir-se confortável e saber que, em qualquer momento, pode chamar a equipa de bordo. Aqui reforçamos a importância do autorrelato e do contacto próximo com as equipas de saúde. Embora o destino seja conhecido (controlo da dor), a paisagem nem sempre é nítida. E a dor, apesar de desagradável, não tem de estar inevitavelmente associada a sofrimento.

Mas e se a turbulência não acaba? A dor crónica, não controlada, desgasta como horas intermináveis num avião sem descanso. Perturba o sono, rouba energia, limita movimentos, promove isolamento social. Alguns passageiros chegam a pensar: “Será que vou aguentar até ao destino? Não seria melhor uma paragem de emergência?” O impacto da dor é, muitas vezes, maior do que imaginamos. Não existe apenas “uma dor”; existem dores.

Não podemos esquecer a tripulação. Nenhum voo é seguro sem ela. No caso da dor, a equipa inter e multidisciplinar — médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outros — desempenha esse papel. Queremos os cuidados certos, no tempo certo, para a pessoa certa, pela equipa certa. Sempre coordenados, em comunicação, atentos às necessidades do passageiro, escutando, questionando e orientando.

Também a aeronave é determinante. Tal como um avião precisa de motores potentes, a gestão da dor depende de fármacos específicos. Analgésicos simples (paracetamol, anti-inflamatórios) são úteis em percursos curtos, em dores menos intensas. Em viagens mais exigentes, pode ser necessário reforço: opióides ajustados (morfina, tramadol), antidepressivos (amitriptilina, duloxetina), anticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina) ou formulações de libertação prolongada que mantêm estabilidade ao longo do voo. A chave está na dose certa, no momento certo, evitando excesso ou falha de combustível.

Mas não basta o motor funcionar: é preciso que os serviços a bordo maximizem o conforto. As abordagens não farmacológicas — fisioterapia, psicoterapia, técnicas de relaxamento, meditação, música, acupuntura — são como comodidades que transformam um voo turbulento numa experiência mais serena.

E olhando para o “avião” futuro? As novas tecnologias já estão a mudar a forma como “voamos” sobre a dor. Dispositivos de neuromodulação funcionam como sistemas avançados de navegação, ajustando sinais nervosos em pleno voo. A realidade virtual distrai a mente e reduz a perceção da dor, como se oferecesse ao passageiro uma janela com paisagens tranquilas. Aplicações móveis monitorizam sintomas em tempo real, comunicando com a tripulação em terra e ajustando a rota sempre que necessário. Até jogos estão a ser usados como intervenção. Será isto o futuro ou já o nosso presente?

E, sem darmos conta, chegamos à aterragem. No caso da dor, não falamos apenas em eliminar totalmente o desconforto — muitas vezes impossível —, mas em aterrar com segurança, dignidade e qualidade de vida. Uma viagem longa pode ser cansativa, mas, se bem acompanhada, o passageiro sente-se cuidado e protegido. E, tal como em muitos voos, podemos terminar com aplausos: um gesto simples que gera ânimo, sorrisos e cumplicidade entre passageiros e tripulação.

Obrigado pela companhia nesta viagem. A dor crónica não controlada é como uma turbulência persistente em pleno voo: compromete o sono, gera fadiga, reduz a mobilidade e favorece ansiedade e depressão. Está associada a maior risco (cardio)vascular, maior dependência funcional e isolamento social. Reconhecer estes sinais e agir precocemente permite transformar a viagem em percurso mais estável, com segurança, conforto e dignidade.

Ricardo Fernandes – Coordenador do Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa da SPMI.

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