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OPINIÃO: O que as recordações da infância dizem sobre nós

1 Junho, 2023 | 9:40
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Joaquim Cerejeira
4 min. leitura

Quais são as suas recordações da infância? Faça um pequeno exercício e tente verificar quais as memórias mais antigas que tem. Provavelmente não conseguirá lembrar-se dos acontecimentos que ocorreram nos seus primeiros 3 a 4 anos de vida e a sua memória será escassa para factos até aos 6-7 anos, o que se designa por “amnésia da infância”. No entanto, todos nós temos boas e más recordações de acontecimentos, pessoas e locais que nos marcaram quando éramos crianças e que ficam “gravadas” para o resto da vida.

São especialmente fortes as memórias relacionadas com a família (a casa onde vivemos, as férias que passámos com os pais ou avós, as brincadeiras com os irmãos, as comidas preferidas, o Natal,…) e as memórias da escola (os professores, os colegas, os livros e as brincadeiras). De toda a nossa infância podemos certamente retirar momentos divertidos e alegres e outros mais tristes e sombrios. 

Porque é que as recordações da infância são tão importantes?

As crianças que têm a capacidade de recordar as experiências do dia-a-dia podem usá-las, durante a adolescência e a idade adulta, para construir a sua identidade, para tomar decisões e para interagir com as outras pessoas. Por exemplo, as crianças que recordam experiências positivas durante as quais ultrapassaram dificuldades com sucesso, terão tendência  a ser mais confiantes para enfrentar os desafios no futuro. Pelo contrário, experiências negativas ou fracassos serão no futuro memórias que diminuem a autoconfiança e aumentam a ansiedade. As recordações da infância ajudam a orientar o comportamento e a tomar decisões mais acertadas. Neste sentido, , as regras e limites que nos são colocados na infância (pela família, na escola, etc.) influenciam a nossa perspetiva ao longo da vida sobre o que são comportamentos “corretos” e “incorretos”. Quando interagimos com as outras pessoas recorremos às nossas vivências da infância para replicar os modelos de relação que tivemos no passado. Por exemplo, se na infância gostávamos de ir passear com os nossos pais para a praia, poderemos hoje levar os nossos filhos à praia e assim fortalecer a nossa relação com eles.

Como criar memórias boas e fortes?

Uma das principais razões para fortalecer boas memórias na infância é que isso irá ajudar a que as crianças sejam mais felizes no futuro. Olhar para o passado e poder dizer que se teve “uma infância feliz” é meio caminho andado para enfrentar o futuro com confiança e estabilidade emocional. Quanto mais oportunidades uma criança tem de viver experiências positivas e estimulantes, de as interiorizar e de as partilhar com outras pessoas e de construir relações afetivas fortes, maior será a probabilidade de ter boas recordações da sua infância. Ao contrário do que seria de esperar, não é a visualização repetida de fotografias e vídeos que fortalece a capacidade de memorização das experiências da vida. A família desempenha um papel fundamental neste processo de consolidação das memórias precoces da infância ao influenciar a forma como as crianças interpretam e assimilam as suas experiências do dia-a-dia. Encorajar uma criança a falar sobre os acontecimentos e a descrever a sua experiência pessoal, ajudando-a a olhar para essa experiência de uma forma positiva, é a melhor forma de consolidar essas recordações. Para isso, em vez de se realçar que a criança ficou com o “joelho esmurrado” pode elogiar-se a forma como ela se conseguiu levantar depois de ter caído da bicicleta. As perguntas abertas como “o que gostaste mais de fazer no fim de semana?” são preferíveis às perguntas fechadas (ex.: “gostaste do fim de semana”?) que pedem respostas do tipo “sim” ou “não”. 

O que fazer quando as memórias não são boas?

Infelizmente a infância nem sempre proporciona boas memórias. Muitas crianças sofrem de carência económica, violência doméstica, maus tratos, negligência, abandono, migração forçada ou guerra. Estas experiências adversas aumentam os níveis de stress e podem produzir consequências negativas a longo prazo, como por exemplo, diminuindo a auto-estima, a confiança e a capacidade de regular as emoções. Nesses casos, é importante atuar precocemente e ajudar as crianças e as suas famílias a ultrapassar essas dificuldades. O Projeto “Let´s Talk About Children”, que está a ser implementado em vários países europeus,  incluindo Portugal, irá treinar profissionais nas escolas e nos serviços de saúde para reconhecer precocemente as crianças e famílias em risco. Deste modo, será possível  identificar as necessidades específicas de cada família no que diz respeito  à saúde (por exemplo, consultas especializadas) mas também a outros fatores que influenciam a saúde mental (por exemplo, condições de habitabilidade precárias, carência económica e dificuldades de integração social). 

Na verdade, todas as pessoas têm memórias boas e más da sua infância. Mas mesmo as famílias disfuncionais, com problemas de saúde mental ou que vivem experiências de vida adversas, podem contribuir para reforçar boas memórias nas crianças. O que cada criança irá recordar no futuro é, não apenas o que aconteceu em determinada ocasião, mas sobretudo como as pessoas em seu redor a fizeram sentir nessa ocasião: amada, protegida, corajosa e segura.

Joaquim Cerejeira – Universidade de Coimbra, Faculdade de Medicina / Coordenador do Projeto Let´s Talk About Children

 

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